terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Como não pensar a responsiblidade dos professores pelo (in)sucesso dos alunos

Circula por aí o discurso de Maria Rosário Gama no passado domingo na Aula Magna. Aí encontramos a velha história de vitimização da classe a partir do argumento - alegadamente defendido pelo ME - de que o insucesso escolar é responsabilidade ('culpa') integral do professor:

«De repente, com esta equipa esqueceram-se os principais factores nacionais geradores do abandono e do insucesso:
as condições sócio-económicas de muitos dos nossos alunos e dos seus pais;
a desagregação das famílias e respectiva ausência de autoridade;
a cultura dominante de que o êxito se consegue sem esforço ou que tudo tem de ser tornado fácil para se atingirem objectivos;
a desvalorização social da Escola e dos seus agentes, entre outros.
Fez-se cair toda a culpa na organização da Escola e no seu corpo docente».


Ora, sem dúvida que estes factores contam. Quanto a eles, qualquer Governo - que não necessariamente um Ministério da Educação, que, vale a pena lembrar os mais distraídos, tutela (e paga!) os professores, e não as famílias - pode fazer coisas importantes; por exemplo, melhorar as condições sócio-económicas e culturais dos indivíduos e agregados familiares, entre outras medidas (que os professores por vezes não gostam: como aproximar as famílias da vida da escola...). Mas, convém também lembrar, não pode resolver todos estes problemas. Pensar dessa forma seria aceitar que vivemos num universo totalitário, no qual os governos podiam resolver todos os problemas e podiam, inversamente, ser responbilizados, na íntegra, pela sua continuação.

Agora, sejamos honestos: será que os professores não têm qualquer responsabilidade - positiva ou negativa? É interessante verificar que quando os professores são bons e os alunos lhe ficam agradecidos, etc., ninguém questiona o "efeito-professor" (que as ciências sociais estudam há pelo menos três décadas, e que está mais do que demonstrado); quando não são tão bons e os alunos são prejudicados por esta situação, então toca a assobiar para o lado.

Ora, se os professores podem ter um efeito positivo, também podem ter um efeito negativo. Isto não é um "ataque aos professores"; é lógica elementar. O que não podemos é pensar da forma mais escandalosamente assimétrica e achar que os professores podem influenciar positivamente, mas não podem influenciam negativamente. Isto não é sério (e se o efeito fosse neutro, e apenas as variáveis externas contassem, então um dia poderíamos substituir professores por robots).

Para mais, não vi em lado nenhum qualquer governante dizer que a culpa (ou mérito) era toda dos professores. Se assim fosse, estes teriam que ser avaliados 100% pelos resultados escolares dos alunos, como pessoas que os professores tomam por aliados nos dias de hoje pensam: José Manuel Fernandes, António Barreto ou Desidério Murcho (como escreve na crónica de hoje) - estes sim, atribuem toda a responsabilidade dos resultados dos alunos à qualidade dos docentes!

Mas, pelo que sabemos, o critério das notas dos alunos contava apenas 6,5% na avaliação do professor. 6,5%! Se querem simplificar e brincar um pouco com os números, então temos que concluir que o ME considera que a responsabilidade dos professores no (in)sucesso se resume a 6,5%!

Claro que isto não se encaixa no discurso de vitimização de Maria Rosário Gama e da grande maioria da classe. Por isso, ignora-se. Assim, quando a autora cita Mia Couto para dizer que os professores têm «uma arma de construção massiva: a capacidade de pensar», era bom que a começassem a usar. Não vá alguém pensar que a arma é de plástico.

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